A Cannabis e o “descobrimento” do Brasil
Desde a antiguidade civilizações incluindo os gregos e romanos já reconheciam o valor da Cannabis na fabricação de velas e cordas para seus navios. No auge do Renascimento, no século XV, o cultivo do cânhamo era estratégico para as potências marítimas, dada sua versatilidade em aplicações como cordoaria, cabos, velas e materiais de vedação para embarcações. Essas características eram fundamentais, especialmente em longas viagens marítimas, onde a durabilidade e a eficiência eram cruciais.
Cânhamo
O cânhamo, uma variedade ou cultivar da espécie Cannabis sativa, destacou-se por suas fibras incrivelmente rígidas e elásticas, atributos que conferiam maior velocidade e resistência às caravelas. Esse material era tão essencial que desempenhou um papel central nas grandes navegações.
Cannabis na “descoberta” da América e do Brasil
Relatos históricos indicam que a embarcação comandada por Cristóvão Colombo em 1492 transportava cerca de 80 toneladas de cânhamo, utilizadas em velas, cordas e outros materiais indispensáveis para a viagem. Do mesmo modo, a frota de Pedro Álvares Cabral que chegou ao Brasil em 1500 também utilizava do cânhamo na construção de suas embarcações. Ironicamente a cannabis desempenhou um papel muito importante do “descobrimento” da América e do Brasil.
O Cânhamo na navegação mundial
O cânhamo foi fundamental para a integração dos mercados globais ao longo dos séculos. Suas aplicações em tecnologias militares e náuticas tornaram-no uma matéria-prima indispensável. Algumas estimativas sugerem que as frotas marítimas europeias no auge das grandes navegações consumiam mais de 300 mil toneladas de cânhamo apenas na montagem inicial de suas embarcações, sem contar os reparos regulares decorrentes do desgaste.
A produção de Cannabis no Brasil colonial
Reconhecendo a importância estratégica do cânhamo, a Coroa Portuguesa transformou seu cultivo em uma política de Estado. Sendo um dos episódios mais significativos a criação da Real Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC) em 1783, no Rincão de Canguçu, no Brasil colonial. Esse empreendimento visava reduzir a dependência de Portugal em relação à produção do império Russo e alcançar autossuficiência na obtenção do material. A Coroa Portuguesa investiu no desenvolvimento técnico da produção de cannabis, enviando manuais de cultivo e importando conhecimentos de outras potências europeias.
Um legado histórico
A Cannabis desempenhou um papel estratégico na história das grandes navegações e no desenvolvimento econômico de diversas nações, incluindo o Brasil colonial. Suas propriedades únicas, como resistência e versatilidade, tornaram-na indispensável para a construção e manutenção de embarcações, impulsionando a integração dos mercados globais e a expansão marítima europeia. No Brasil colonial, a criação da Real Feitoria do Linho Cânhamo destacou-se como um marco do esforço estatal para fortalecer a autossuficiência e reduzir dependências externas. Ironicamente, séculos depois, milhares de pacientes brasileiros são obrigados a recorrer à importação de medicamentos à base de Cannabis, enquanto a planta que impulsionou a “descoberta” da América e do Brasil, além de fomentar o desenvolvimento econômico global, foi marginalizada em nosso país.
Seria cômico se não fosse trágico, mas séculos depois de a Coroa Portuguesa implementar como política de Estado a busca da autossuficiência da produção de Cannabis no Brasil colonial, em pleno século XXI milhares de pacientes brasileiros que necessitam de medicamentos derivados da planta precisam recorrer a ANVISA para solicitar autorização para “importação” dos produtos.
A política atual, que marginalizou a Cannabis sob o pretexto de combater a “dependência no uso recreativo”, paradoxalmente condenou o Brasil a uma “dependência legalizada” de países estrangeiros para atender à demanda de seus cidadãos. Diante dessa realidade, é inevitável questionar: a quem essa política realmente serve? Certamente não ao Brasil, tampouco aos milhares de pacientes que, de forma legítima, necessitam dos derivados de Cannabis para melhorar sua qualidade de vida. É urgente reavaliar essas diretrizes para priorizar os interesses da população brasileira e explorar plenamente o potencial medicinal, econômico e sustentável dessa planta historicamente essencial.
Essa reflexão histórica evidencia a urgência de revisitar o papel da Cannabis não apenas como materiais essenciais no passado, mas também como recursos com enorme potencial econômico, medicinal e sustentável no presente. Reconhecer sua relevância histórica permite reavaliar preconceitos e abrir caminho para novas perspectivas de uso, promovendo uma abordagem mais justa e informada sobre seus múltiplos benefícios para a sociedade contemporânea.
Bibliografia
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